Friday, March 05, 2010

SOBRE O CONCEITO DE CASA

Este texto é uma transliteração/ resumo comentado do texto de Zezinho Lira.

LIRA, José tavares Correia de. Sobre o conceito de casa ou como ver o objeto por excelência do arquiteto sem sair de casa. São Paulo. Revista Caramelo, FAUUSP, N. 5. s. d.


O termo casa está ligado a um universo extremamente largo de significações. Não se refere apenas a um edifício destinado à habitação, uma morada e suas dependências, podem comportar toda uma dimensão diferencial e simbólica. Há termos relacionados a casa tal como economia, palavra que vem do grego oikós (casa) nomia (regras) que significa a “arte de administrar a casa”, as propriedades de terra, os recursos materiais, e também as relações matrimoniais, paternas, maternas. Do mesmo modo há uma “engenharia da casa”: uma “parafernália” constituída de objetos úteis à vida da casa, que tem também interesse arqueológico quando perdem a validade ou atualidade.
Desde a sociedade disciplinar , os habitantes medidos (nomeados, numerados, normatizados) e distribuídos hierarquicamente no espaço funcional moderno. A cidade moderna expressa o ideário técnico e científico burguês e “legou uma concepção de casa e família radicalmente modificada”. A cisão entre trabalho e moradia expressa a distância entre o espaço rural, da manufatura, da burocracia, do lazer e do repouso, e coloca formas progressivamente especializadas de localização e de contatos sociais cronometrados, tempo e espaços individualizados, deslocamentos geométricos, transformando a rotina e os abrigos. Entretanto a casa moderna transcende aquilo que se entende por abrigo (LIRA, s. d.).
A habitação deixará de ser encarada à maneira de um envoltório, no qual “gerações sucessivas e descendências seriam entrelaçadas por tradições estáveis e referências de origem precisas”. A moral burguesa investe na construção de um indivíduo autônomo que reivindica propriedades, intimidade e privacidade. Contudo, depois do século XIX, “a casa é atravessada pelo fio de prumo da racionalidade da ciência, desencantada de sua relação com aspectos ecológicos e aspectos diversos da vida comunitária” (LIRA, s. d.).
Se os acontecimentos da casa grega não eram assuntos a serem tratados na ágora, na esfera pública, as necessidades humanas, que incluem todos os aspectos da produção e reprodução passam a ser assuntos públicos, de governo e da esfera pública na sociedade moderna e industrial. Os arquitetos aderem a este novo programa para habitação. Os Congressos Internacionais da Arquitetura Moderna, particularmente os de Frankfurt em 1929 e Bruxelas em 1930, são marcos da equiparação doutrinária da casa racional à máquina de morar corbusiana e da casa-ração de Walter Gropius (LIRA, s. d.).
A casa torna-se “espaço estratégico da formação do homem civilizado” que confirma o padrão técnico e científico da casa higiênica. A casa máquina é mercantil, os prazeres realizados no espaço doméstico são cada vez mais “alicerçados em uma economia da equipagem, do conforto ambiental e do bem estar” (LIRA, s. d.).
No período contemporâneo, o filosófo Gilles Deleuze observa que “a família, a escola, o exército, a fábrica não são mais espaços analógicos distintos que convergem para um proprietário, Estado ou potência privada, mas são agora figuras cifradas, deformáveis e transformáveis, de uma mesma empresa que só tem gerentes. Até a arte abandonou os espaços fechados para entrar nos circuitos abertos do banco” (DELEUZE, 1992). Deste modo, espera-se que a forma, a estrutura, a equipagem, o espaço da habitação deveriam acompanhar espacialmente as novas formas de controle, novos programas sociais, culturais e para o mundo do trabalho, novos modos de vida urbana e doméstica.

Sobre a sociedade disciplinar
Sociedades disciplinares refere-se a um termo criado por Michel Foucault para discriminar a rede de instituições disciplinares e seus mecanismos de exercício do poder, enquadram-se entre essas instituições a família, a escola, o quartel, a fábrica, o hospital e a prisão. O indivíduo não cessava de passar de um espaço fechado ao outro: família, escola, fábrica, universidade e eventualmente prisão ou hospital. Esta organização de grandes meios de confinamento, os quais tinham como objetivo concentrar e compor, no tempo e no espaço, uma forma de produção cujo efeito deveria ser superior à soma das partes. A existência de mecanismos disciplinares é anterior ao período que Foucault denominou como sociedade disciplinar, mas antes existiam de forma isolada, fragmentada. O padrão de visibilidade das sociedades disciplinares projectou-se no interior dos prédios das instituições, que passaram a ser construídos para permitir o controle interno In. POMBO, Olga. Da Sociedade disciplinar à Sociedade de controle. http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/sociedade%20disciplinar/index.htm
Ver tbm. DELEUZE, Gilles. Pós scriptum. A Sociedade Mundial de Controle. In. Conversações. São Paulo: Ed. 34, 1992.

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