Excertos do texto de Rico Lie "Espaços de comunicação intercultural" para apresentar o conceito de liminar e liminóide. Este conceito traz aspectos de interação e interatividade que elementos arquitetônicos carreiam como as soleiras e os umbrais, que são espaços de transição por excelência como já foi dito, A função de intertício, de intervalo dw determinados espaços elimina ou produz gradações em relação às divisões territoriais rígidas.
*Excerto do texto "Espaços de comunicação intercultural" de Rico Lie
"Todas as pessoas estão em certa medida, permanentemente em trânsito... Não tanto ‘de onde vens?’, senão ‘onde estás?’ (The intercultural identity question.)". (CLIFFORD, 1992, p.109)
“O espaço é um lugar praticado”. (De CERTEAU, 1984, p.117)
Esta é uma citação bastante mencionada de de Certeau (publicada originalmente em francês em 1974). A citação prossegue com “Assim a rua definida geometricamente pelo planejamento urbano é transformada em um espaço pelos caminhantes” (De CERTEAU, 1984, p.117). De um modo interpretativo resume a diferença entre espaço (ruimte [em holandês] / espace [em francês]) e lugar (plaats [em holandês] / lieu [em francês]). Ou seja, o espaço é um lugar vivido, assim, através da (inter)ação e a comunicação, os lugares transformam‐se em espaços de comunicação. Segundo De Certeau, os lugares são fixos e estáveis. As fronteiras dos lugares foram fixadas e podem ser determinadas de forma precisa. As fronteiras dos espaços são flexíveis e foram construídas de uma maneira simbólica, interpretativa. (COHEN, 1985) Assim, ‘caminhar pela cidade’ transforma o lugar em espaço. (De CERTEAU, 1984, p.91‐110) Por outro lado, ‘assistir à televisão em casa’ pode, por exemplo, também ser visto como um lugar vivido ou praticado. Este não é somente o caso, porque a casa é um cenário geográfico definido, mas também porque o texto televisivo em si, nas palavras de De Certeau (ibidem, p.117) é “um lugar constituído por um sistema de signos” é transformado em espaço, pelo ato de assistir. Estes espaços de comunicação criados pelos atos de consumo e interpretação podem sergeográficos e físicos, assim como não geográficos e não físicos. (Rico Lie)
(...)
Com os conceitos de “liminal e liminoid” (de Turner) estou acentuando a posição intermediária dos espaços. Eles estão em um ponto intermediário entre o global e o local, guiando as observações do analista cultural em direção a elementos/formas culturais relevantes nestes espaços específicos. Os espaços são chamados espaços da comunicação intercultural porque o foco está na interação (coexistência, negociação e transformação) entre os elementos/formas culturais. (...). Eles parecem ser os espaços/esferas onde o global e o local devem ser transformados em interação. (Rico Lie)
BHABHA realmente abraça a idéia de espaço intermediário. Bhabha (1994) usa a escada como uma metáfora de liminalidade:
A escada como espaço liminal, entre as designações da identidade, converte‐se em processo de interação simbólica, o tecido conectivo que constrói a diferença entre superior e inferior, preto e branco. O aqui e o
acolá da escada, o movimento temporal e a passagem que ele permite, previnem a identidade de cada um dos seus extremos de instalar‐se como polaridade primordial. Esta passagem intersticial entre identificações fixas abre a possibilidade de uma hibridez cultural que abriga a diferença sem uma hierarquia assumida ou imposta. (BHABHA, 1994, p.4). o reconhecimento teórico do espaço dividido da enunciação pode abrir caminho para conceituar uma cultura internacional, que não está baseada no exotismo do multiculturalismo ou na diversidade de culturas, mas na inscrição e articulação da hibridez de cultura.
Com este fim, deveríamos nos lembrar, que é o prefixo ‘inter’ — o fio da tradução e negociação, o espaço intermediário — que transporta a carga da significação da cultura. (ibidem, p.38). Antes de aprofundarmos a discussão da relação entre “interculturalidade”, comunicação e espaço, vamos primeiro examinar mais minuciosamente a teoria de Turner do "liminal" e o “liminoid”. (Rico Lie)
Que são espaços “liminal e liminoid”?
Em várias disciplinas, a questão da “liminality” foi novamente considerada como conceito de interesse no estudo com culturas em contato e culturas em constantes mudanças. O conceito foi outrora utilizado no estudo mais estrito de rituais, principalmente os rituais da transição, (...). (Rico Lie)
A “liminality” referia‐se à fase intermediária das três fases que Gennep distingue em todos “os ritos de passagem”. As fases são: 1) separação, (2) margem (ou limen, significando 'limiar' em latim) (transição), e, (3) reagregação (reintegração). Especialmente com os ritos de iniciação (transição) (p. ex., iniciação do menino a homem, matrimônio ou morte), essas fases podem ser distinguidas claramente. Na fase da transformação, a pessoa não pertence à sociedade e não é membro da estrutura diária normal. (Rico Lie)
Cada um é localizado em um tempo e espaço que não tem nenhuma definição social. A identidade da pessoa ou grupo é pouco nítida. Uma posição tão “liminal” oferece uma possibilidade de reflexão e crítica, mas também de idealização, igualdade e camaradagem intensa. Este 'estado de ser' ou 'qualidade da relação' é o que Turner (1969) chama “communita”. É na “liminality” que o “communitas emerge. Turner (1974a, p.231) vê a estrutura social como o oposto de “communitas”, já que “communitas” existe fora do tempo estruturado. O autor define “liminality” como “potencialmente eem princípio uma região gratuita e experimental da cultura, uma região onde não só os novos elementos, mas também as novas regras de combinação podem ser introduzidas”. (TURNER, 1982, p.28).
Na liminality, os novos modos de atuar, as novas combinações dos símbolos, são provados, para ser descartados ou aceitos.... A essência do ritual é a multidimencionalidade, multivocalidade" dos seus símbolos (TURNER, 1977, p.40). “... na liminality as pessoas 'jogam' com os elementos do familiar e os desfamiliarizam. (TURNER, 1974b, p.60). (Rico Lie)
continua (ver restante do texto e referências citadas no link do título)