Com base em: HAAR, Michel. A obra de arte. Ensaio sobre a Ontologia das obras. Rio de Janeiro: Difel, 2000
Por Fernada Ferri
Tópico do programa: Conceitos de beleza e arte. Platão e Aristóteles.
IMITAÇÃO DA NATUREZA
1. A depreciação platônica da arte
Segundo Platão, a imagem produzida por um artista é duplamente inadequada.
Comparando uma cama feita por um marceneiro e uma cama pintada por um pintor, ele fundamenta-se no postulado realista que julga que uma cama da qual possamos servir-nos seja superior a uma cama que se pode apenas olhar, e sempre pelo mesmo ângulo. Por isso ela é dita como inadequada ao ente (a coisa representada), e ao ser (a idéia).
A teoria do espelho deprecia a imagem artística comparando-a a um reflexo no espelho, uma ilusão sem substância, e o artista é comparado a um charlatão desprovido de ofício, sendo que a imagem produzida por ele qualquer um pode produzir sem qualquer dificuldade.
È estabelecida uma hierarquia das três camas: a primeira é o protótipo, estabelecido pelo próprio Deus, a única que é realmente existente “por natureza”; a segunda é a que é fabricada pelo marceneiro; a terceira, a que é pintada pelo pintor. Aqui o termo “natureza” significa a essência, aquilo que se mostra por si mesmo em oposição ao que é produzido por meio de outra coisa.
A partir desta hierarquia Platão distingue três tipos de “produtores”:
1. o deus: Aquele que toma a seu cargo a apresentação do puro aspecto das coisas;
2. o artesão: Aquele que reproduz o objeto a ser usado correspondendo verdadeiramente à sua idéia;
3. o pintor: “Operário da imagem”. Propõe-se não a representar o objeto tal qual ele é, mas sim tal qual aparenta.
E assim como não se pode aprender com um pintor a maneira de se fazer uma cama, não se pode aprender com um poeta que canta sobre a cura a maneira de curar, pois a imitação artística e poética não se baseia em conhecimento algum. Segundo Platão ambos são ignorantes, e a arte é algo inútil, que não ensina nada pois não se fundamenta em nenhum conhecimento verdadeiro.
2. Apologia da arte egípcia
A arte grega do século V não respeita proporções, alterando-as em busca da verossimilhança do objeto representado em relação ao ponto de vista do espectador. Assim, para que, vistas de baixo, a parte superior de uma estátua colocada no alto não pareçam menores, elas são aumentadas em relação às inferiores, passando para o espectador uma aparência, e não a verdade intrínseca do objeto representado.
A arte egípcia, ao contrário, não visa agradar o ponto de vista do observador. O artista egípcio não procura expressar o natural, nem a perspectiva, e nem busca dar aparência de vida e movimento, que os gregos chamam de skiagraphia, o “desenho da sombra”, que Platão relaciona com a intenção de enganar dando substância a algo que não tem. O artista egípcio negligencia esta percepção que faz parecer o objeto representado sempre do mesmo ponto de vista. Ele respeita a essência do modelo e o reproduz tal qual é em si mesmo, sem se preocupar com o aspecto que irá parecer. Uma arte que não procura enganar.
Em O sofista, Platão contrapõe essas duas artes distinguindo duas formas de “arte imitativa”:
1. A ”arte da cópia”: Trata-se de uma arte que produz uma imagem semelhante, comparável ao modelo, reproduzindo a proporções, e dando a cada parte as cores apropriadas. A arte egípcia;
2. A “arte do simulacro”: Trata-se de uma arte que não se preocupa em reproduzir as verdadeiras proporções, mas sim as que aparentam belas aos olhos do observador. A arte grega.
Platão luta contra essa tendência da “arte do simulacro”, cada vez mais relativista e ao mesmo tempo naturalista.
3. Aristóteles: a legitimação da mimèsis
Aristóteles também afirma que a arte seja imitação, mas coloca a imitação como algo “natural”, verdadeiro, não sendo ignorância ou ilusão, mas sim uma atividade conforme a “natureza”.
Para ele, a célebre fórmula da Physique, “A arte imita a natureza”, não significa que a arte deva reproduzir a natureza, mas sim que a arte tem essa capacidade, além de ter a capacidade de produzir, rivalizando com a natureza.
Ele propõe três maneiras fundamentais de imitar: a representação do que as coisas são; a representação do que as coisas parecem ser, o verossímil; e a representação do que as coisas deveriam ser, o ideal.
Aristóteles é o primeiro filósofo a analisar a natureza do prazer estético, concluindo que o prazer estético legítimo deve-se ao fato de que a obra de arte nos faz raciocinar ao compararmos o retrato ao seu modelo, nos encantando encontrar esta relação mimética entre arte e natureza. Contrariamente a Platão a arte não é ignorância, e sim ampliação do conhecimento.
Mesmo com essa legitimação da arte, que precede inúmeras outras, a condenação platônica ressurgirá inúmeras vezes, e um exemplo claro é através da censura. A discussão nos dias atuais, embora hoje a censura teatral tenha deixado de existir, persiste a censura cinematográfica com o pretexto de defender a juventude do vício, indecência e crime.
Por Fernada Ferri
Tópico do programa: Conceitos de beleza e arte. Platão e Aristóteles.
IMITAÇÃO DA NATUREZA
1. A depreciação platônica da arte
Segundo Platão, a imagem produzida por um artista é duplamente inadequada.
Comparando uma cama feita por um marceneiro e uma cama pintada por um pintor, ele fundamenta-se no postulado realista que julga que uma cama da qual possamos servir-nos seja superior a uma cama que se pode apenas olhar, e sempre pelo mesmo ângulo. Por isso ela é dita como inadequada ao ente (a coisa representada), e ao ser (a idéia).
A teoria do espelho deprecia a imagem artística comparando-a a um reflexo no espelho, uma ilusão sem substância, e o artista é comparado a um charlatão desprovido de ofício, sendo que a imagem produzida por ele qualquer um pode produzir sem qualquer dificuldade.
È estabelecida uma hierarquia das três camas: a primeira é o protótipo, estabelecido pelo próprio Deus, a única que é realmente existente “por natureza”; a segunda é a que é fabricada pelo marceneiro; a terceira, a que é pintada pelo pintor. Aqui o termo “natureza” significa a essência, aquilo que se mostra por si mesmo em oposição ao que é produzido por meio de outra coisa.
A partir desta hierarquia Platão distingue três tipos de “produtores”:
1. o deus: Aquele que toma a seu cargo a apresentação do puro aspecto das coisas;
2. o artesão: Aquele que reproduz o objeto a ser usado correspondendo verdadeiramente à sua idéia;
3. o pintor: “Operário da imagem”. Propõe-se não a representar o objeto tal qual ele é, mas sim tal qual aparenta.
E assim como não se pode aprender com um pintor a maneira de se fazer uma cama, não se pode aprender com um poeta que canta sobre a cura a maneira de curar, pois a imitação artística e poética não se baseia em conhecimento algum. Segundo Platão ambos são ignorantes, e a arte é algo inútil, que não ensina nada pois não se fundamenta em nenhum conhecimento verdadeiro.
2. Apologia da arte egípcia
A arte grega do século V não respeita proporções, alterando-as em busca da verossimilhança do objeto representado em relação ao ponto de vista do espectador. Assim, para que, vistas de baixo, a parte superior de uma estátua colocada no alto não pareçam menores, elas são aumentadas em relação às inferiores, passando para o espectador uma aparência, e não a verdade intrínseca do objeto representado.
A arte egípcia, ao contrário, não visa agradar o ponto de vista do observador. O artista egípcio não procura expressar o natural, nem a perspectiva, e nem busca dar aparência de vida e movimento, que os gregos chamam de skiagraphia, o “desenho da sombra”, que Platão relaciona com a intenção de enganar dando substância a algo que não tem. O artista egípcio negligencia esta percepção que faz parecer o objeto representado sempre do mesmo ponto de vista. Ele respeita a essência do modelo e o reproduz tal qual é em si mesmo, sem se preocupar com o aspecto que irá parecer. Uma arte que não procura enganar.
Em O sofista, Platão contrapõe essas duas artes distinguindo duas formas de “arte imitativa”:
1. A ”arte da cópia”: Trata-se de uma arte que produz uma imagem semelhante, comparável ao modelo, reproduzindo a proporções, e dando a cada parte as cores apropriadas. A arte egípcia;
2. A “arte do simulacro”: Trata-se de uma arte que não se preocupa em reproduzir as verdadeiras proporções, mas sim as que aparentam belas aos olhos do observador. A arte grega.
Platão luta contra essa tendência da “arte do simulacro”, cada vez mais relativista e ao mesmo tempo naturalista.
3. Aristóteles: a legitimação da mimèsis
Aristóteles também afirma que a arte seja imitação, mas coloca a imitação como algo “natural”, verdadeiro, não sendo ignorância ou ilusão, mas sim uma atividade conforme a “natureza”.
Para ele, a célebre fórmula da Physique, “A arte imita a natureza”, não significa que a arte deva reproduzir a natureza, mas sim que a arte tem essa capacidade, além de ter a capacidade de produzir, rivalizando com a natureza.
Ele propõe três maneiras fundamentais de imitar: a representação do que as coisas são; a representação do que as coisas parecem ser, o verossímil; e a representação do que as coisas deveriam ser, o ideal.
Aristóteles é o primeiro filósofo a analisar a natureza do prazer estético, concluindo que o prazer estético legítimo deve-se ao fato de que a obra de arte nos faz raciocinar ao compararmos o retrato ao seu modelo, nos encantando encontrar esta relação mimética entre arte e natureza. Contrariamente a Platão a arte não é ignorância, e sim ampliação do conhecimento.
Mesmo com essa legitimação da arte, que precede inúmeras outras, a condenação platônica ressurgirá inúmeras vezes, e um exemplo claro é através da censura. A discussão nos dias atuais, embora hoje a censura teatral tenha deixado de existir, persiste a censura cinematográfica com o pretexto de defender a juventude do vício, indecência e crime.
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