Thursday, March 20, 2008

Objeto perdido 2

•(...) Toda maneira, para o homem, de encontrar o objeto é, e não passa disso, a continuação de uma tendência que se trata de um objeto perdido, de um objeto a se reencontrar. Jacques Lacan
•O desejo que há na procura procede de quem busca e, de alguma maneira, permanece suspenso, até repousar na união com o objeto enfim encontrado. Esta é uma sentença de Sto Agostinho caracterizando o processo de conhecimento. Mas que coisa está em suspenso no pensamento? pergunta Agamben que responde: é a voz, pois linguagem é e não é nossa voz. A defasagem (Agamben diz abismo) entre linguagem e voz é que chamamos mundo (?)
•- “Se há voz há um corpo”. Nesta frase de Leonardo da Vinci parece estar subentendida a contraposição entre corpo/matéria e espírito, mas não é assim.
As teorias de Leonardo sobre a mente eram baseadas nas leis da física. "Não pode haver voz onde não há movimento ou percussão do ar; não pode haver percussão do ar onde não há instrumento; não pode haver instrumento sem um corpo; e, sendo assim, um espírito não pode ter nem voz nem forma nem força." Com este argumento concluía que fantasmas, espíritos não teriam voz.
Para Da Vinci, "a alma parece residir no julgamento e o julgamento parece estar localizado naquela parte onde todos os sentidos se encontram, e ela é chamada de senso comune", escreveu por volta de 1489. "Todo o nosso conhecimento tem sua origem em nossas percepções (dos sentidos)", conclui. Objetos visuais, cheiros e sons convergem para o senso comune, enquanto "cordas perfuradas" transmitem informações sensoriais a partir da pele.
O hálito , pneuma em grego e spiritus em latim, "manifesta" a gasificação do corpo humano sólido. Mais tarde, com ciência moderna a oposição matéria/corpo e espírito, deveria se transferir para outro para matéria-energia, enunciada pela fórmula de Einsten, diz Vilém Flusser.
Flusser, em seu livro "Mundo Codificado" argumenta sobre o despropósito do abuso do termo imaterial...
Até aqui há um pensamento inacabado, o meu, está em suspenso, mas nenhuma agonia, "time is on my side..."
Giorgo Agamben diz que na lingua italiana a palavra pensamento tem por origem o significado de angústia, de ímpeto ansioso, que se encontra ainda na expressão familiar: stare in pensiero (estar atormentado). O verbo latino pendere, de onde deriva a palavra nas línguas romanas, significa estar suspenso. Agamben continua:
"A lógica mostra que a linguagem não é a minha voz. A voz – ela diz – foi, mas já não é, nem poderá mais ser. A linguagem tem lugar no não-lugar da voz. Isto significa dizer que o pensamento nada há de pensar da voz. Esta é a sua piedade."
"Então, a fuga, a pendência da voz na linguagem deve ter fim. Podemos deixar de ter a linguagem, a voz, em suspensão. Se a voz jamais foi, se o pensamento é pensamento da voz, ele não tem mais nada a pensar. O pensamento cumprido não tem mais pensamento."
"Do termo latino que, por séculos, designou o pensamento, cogitare, na nossa língua, restou apenas um traço na palavra tracotanza (Arrogância, prepotência, insolência, atrevimento, petulância, presunção). Ainda no século XIV, coto, cuitanza, queria dizer: pensamento. Através do provençal oltracuidansa, tracotanza provém do latino ultracogitare: exceder, passar o limite do pensamento, sobrepensar, spensare."
O latim "cogere" dá nossos verbos cogitar e excogitar, que significam pensar, inventar, refletir, idear, imaginar, cogitar traz uma raiz de prepotência, presunção. Mesmo cogitar em sua etimologia (Houaiss) [lat. cogìto,as,ávi,átum,áre '] é "agitar no espírito, remoer no pensamento", pensar, meditar, projetar, preparar'; [divg. vulg. de cogitar; ver cuid-; f.hist. (sXIV) coydar, (sXIV )cudar, (sXIV) cujdar, (sXV) quidar]. Assim, por outro lado, a origem do verbo cuidar é proveniente também do verbo latino cogitāre, cujo significado básico era pensar, meditar.
Cogito ergo sum, me dou conta de mim quando penso, só quando penso? O problema do método para assegurar, direcionar, assegurar um bom fim ao processo, delinear conceitos. Estes, por sua vez, significam tanto a ação de conter como o ato de receber, a germinação, o fruto, o feto, o pensamento.
Já citado em outra postagem reitero a fala de Carlos Brandão sobre conceito.
Conceito, no dicionário é definido como representação de idéias por meio de suas características gerais, é uma ordenação e um corte no conhecimento (fil.).
Sua etimologia lembra Brandão:
"Conceito deriva do latim conceptum e significa tanto pensamento e idéia quanto fruto ou feto. Concipere engloba tanto o significado mais comum de gerar e conceber quanto as ações de reunir, conter, recolher, absorver, fecundar, exprimir ou apreender espiritualmente alguma coisa. Como no grego logos, no qual se radicarão por exemplo "leitura" (legere) e "legume", a atividade mental de conceber é metáfora da atividade agrícola de colher algo que é oferecido pelo mundo e apropriado pelo espírito ou pela nossa vida prática. Essa origem etimológica não é apenas uma abordagem erudita mas aponta para a ligação entre a teoria e a praxis, entre a linguagem e o mundo, entre o conceito e a existência cotidiana, entre a atividade abstrata do pensamento e o nosso modo concreto de estar e se relacionar com o mundo. "
No campo da arquitetura e urbanismo, Carlos Brandão, afirma que o conceito não é apenas uma elaboração mental prévia, destinada a ser substituída pelo projeto no qual ela seria totalmente absorvida, mas é o medium histórico da linguagem através da qual nos constituímos e compreendemos o mundo em que vivemos. Nessa chave o conceito servirá não apenas para o trabalho do arquiteto, mas, sobretudo, para a compreensão do produto do seu trabalho pelo habitante. O conceito tem uma constituição também intersubjetiva.De acordo com Carlos Brandão, leigos e arquitetos compartilham uma matriz de compreensão constituída, entre outras coisas, pelos conceitos e pela memória. A percepção ativa uma rede de conceitos, buscando o sentido daquilo que é percebido, mesmo que se apresente pela primeira vez aos olhos. O conceito e a percepção são chaves da compreensão do espaço e da comunicação entre o arquiteto e o fruidor.
"A contenção do conceitual pode ser entendida como contenda ou o encerrar. O conceituado cerra a passagem de qualquer diversidade de sentido que se diferencie do centro de concepção da ação de conter. Então a recepção, como fundamento para que frutifique o motivo do pensar, se estabelece por um contender contra o que contém aquilo que não consolide o saber como um conhecer seguro, sólido e sóbrio. A cautela e precaução do conceituar, entretanto, terminam por transformar o pensamento em um acervo de certezas. " (Prioste)
Já alienar (afastar) da ratio (cálculo, conta e registro) ou um metódico e seqüencial cogitar definem-se como delírio. Alucin(o)- é um elemento de composição derivante do grego alúo , estar fora de si, perplexo, vaguear, diz Prioste referindo-se ao poeta Manuel de Barros.
"Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina. No osso da fala dos loucos há lírios"
"Poema é o lugar onde a gente pode afirmar que o delírio é uma sensatez " .
Arquitetura no início referenciou seus processos compositivos na poética, buscava ordem, no entanto, não vaguear nem delirar. Aonde foi parar a poesia da arquitetura, agora que já não temos tantas certezas, talvez devessemos nos perguntar?



referências:
Fim do Pensamento de Giorgio Agamben, Tradução de Alberto Pucheu.
O delinqüir do delírio: Manoel de Barros e a poesia de José Carlos Pinheiro Prioste
Linguagem e Arquitetura: o problema do conceito de Carlos Antônio Leite Brandão em http://www.arquitetura.ufmg.br/ia/

Mundo Codificado, Vilém Flusser. Ed. CosacNaify

Leonardo da Vinci, neurocientista. de Jonathan Pevsner. Revista eletrônica Mente e Cerebro.
edição 160 - Maio 2006


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