Thursday, March 11, 2010

A axiologia do “lugar”

“Não há espaço que não seja arquitetônico”.

O espaço funciona por referência extrínseca- conceito, abstração- para ser precisado necessita de adjetivo. O território funciona por referência intrínseca – prática, regras, condutas. O lugar funcionaliza o mundo.
"AXIOLOGIA (in. Axiology, fr. Axiologie, ai. Axiologie, it. Axiologid). A "teoria dos valores" ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Martins Fontes.

Entre as teorias sobre o espaço estão: o grupo das concepções do espaço e as teorias do espaço da cidade ou do urbano. A problemática do urbano é indissociável da interatividade seja doméstica e privada seja coletiva e/ou pública. No quadro destes estudos há aqueles que se debruçam especificamente sobre a lógica e a axiologia do lugar.
O lugar é algo que acompanha o homem, Jean François Lyotard chega a dizer que cada um carrega o seu consigo. Por outro lado, para a definição da estrutura do lugar há uma infinidade de teorias opostas desde o distante mundo cultural grego diz Josep Muntanola Thornberg.
Como indicam Aristóteles e Hegel, “o lugar é sempre lugar de algo ou de alguém”. O que interessa expor são as inter-relações entre este algo ou alguém que habita (ou tem relações com) o lugar e descrever o próprio lugar. Além disso, a capacidade de construir o lugar distingue o homem, ou melhor, a capacidade de “espaciar-se em um espaço” como diz Heidegger. Para ele, a comunicação lingüística no homem está subordinada ao seu "ser no mundo" que é espacial.
A arquitetura organiza os lugares para viver mediante a transformação da matéria física. Esta transformação tem a ver com este "espaciar-se em um espaço" heideggeriano.
Pode-se discriminar um grupo de ciências que se ocupam do lugar, tendo as via de análise predominante: operativa, figurativa, semiótica, e ainda tendo como objeto de análise a pessoa humana, a sociedade, o meio ambiente arquitetura e urbanismo, a tecnologia são apenas algumas das disciplinas.
Josep Muntanola Thornberg distingue autores que tratam a lógica do lugar, dentre estes estão Aristóteles e Hegel. Para Aristóteles o lugar não é um vazio espacial desassociado daquilo que preenche o lugar. Ao contrário é um "intervalo corporal" (Aristóteles) que pode ser ocupado sucessivamente por diferentes corpos físicos e que está criado pelo próprio lugar em si mesmo.
A noção de lugar de Aristóteles é muito "moderna", diz Thornberg pois está articulada à noção de limite. Donde existe uma "constância vicinal" entre o continente e o conteúdo. Esta noção de lugar se identifica com a noção de contato como limite dos corpos em afinidade, determinando-se num equilíbrio variável, e cada vez mais difuso em relação à medida que nos afastamos da escala humana
Para Hegel, lugar é tempo no espaço. Além disso, entre espaço e tempo distingue duas uniões: o movimento e a matéria. A primeira é o movimento, passagens entre espaço e tempo e espaço, e também pode ser definida como mudança de lugar. La segunda unia- espacio-temporal é a matéria, é a existente união do espaço e do tempo, por uma parte, e do lugar e do movimento, por outra parte (ver Thonemberg p. 19).
Josep Muntanola Thornberg explica que a abordagem sobre a lógica do lugar realista, física e geométrica é contraposta pela axiologia do lugar (valores espaciais). Thonemberg destaca neste contexto Gaston de Bachelard.
“Tornar geométrica a representação, isto é, delinear os fenômenos e ordenar em série os acontecimentos decisivos de uma experiência, eis a tarefa primordial em que se firma o espírito científico. De fato, é desse modo que se chega à quantidade representada, a meio caminho entre o concreto e o abstrato, numa zona intermédia em que o espírito busca conciliar matemática e experiência, leis e fatos. Essa tarefa de geometrização que muitas vezes pareceu realizada — seja após o sucesso do cartesianismo, seja após o sucesso da mecânica newtoniana, seja com a óptica de Fresnel — acaba sempre por revelar-se insuficiente. Mais cedo ou mais tarde, na maioria dos domínios, é forçoso constatar que essa primeira representação geométrica, fundada num realismo ingênuo das propriedades espaciais, implica ligações mais ocultas, leis topológicas menos nitidamente solidárias com as relações métricas imediatamente aparentes, em resumo, vínculos essenciais mais profundos do que os que se costuma encontrar na representação geométrica. Sente-se pouco a pouco a necessidade de trabalhar sob o espaço, no nível das relações essenciais que sustentam tanto o espaço quanto os fenômenos. O pensamento científico é então levado para "construções" mais metafóricas que reais, para "espaços de configuração", dos quais o espaço sensível não passa, no fundo, de um pobre exemplo. (BACHELARD, 1995).
Gaston de Bachelard incentiva a ruptura com o racionalismo da ciência para ele deve-se esquecer este saber, se a proposta é estudar os problemas colocados pela imaginação poética.
“Só a fenomenologia, isto é, o levar em conta a partida da imagem numa consciência individual – pode ajudar-nos a restituir a subjetividade das imagens e a medir a amplitude, a força, o sentido da transubjetividade da imagem”.
Bachelard faz distinção entre imagem e conceito. A imagem é vivida, o conceito é construído, são termos que não admitem síntese. Estão em dois pólos divergentes da vida, intelecto e imaginação. O conceito é um centro de significação isolado. Já na imagem tem autonomia em relação aos seus objetos. A imagem ultrapassa sua significação: “A imagem poética é essencialmente variacional. Ela não é como o conceito, constitutiva” (BACHELARD, 1996). A imagem possui uma existência que lhe é própria, singular, é produto da criação, ela não é derivada da experiência.
Christian Norberg-Schulz, no quadro da fenomenologia heideggeriana, parte do mundo-da-vida cotidiana que consiste de “fenômenos concretos” e os menos tangíveis como sentimentos. Assim, interessado nas qualidades complexas dos lugares abre mão de conceitos analíticos científicos, aponta como Bachelard a poesia, como fonte de informação sobre os lugares. Interessa-se pela estrutura do lugar.

referências
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes. 1995
BACHELARD, Gaston. O novo espírito científico. Lisboa: Edições 70, 1996
NORBERG-SCHULZ, Christian. O fenômeno do lugar. In: NESBITT, Kate (org.). Uma nova agenda para a. arquitetura: antologia teórica 1965-1995. São Paulo: Cosac Naify, 2006
THORNBERG, Josep Muntanola La Arquitectura Como Lugar. Barcelona. Editorial Gustavo Gili, S.A., 1974

1 comment:

gabriel ramos said...

muito bom, clara.
tô conhecendo aqui agora o blog.

um beijo