"Quando construímos casas, falamos e escrevemos sobre elas." Wittgeinstein
"Não há homem sem objetos técnicos, da mesma forma que não há homem sem linguagem." Pierre Lévy
A arquitetura não se descreve, apresenta ou representa por um único meio ou linguagem: desenho, discurso, imagens fotográficas ou modelos analógicos ou digitais. Admitindo que todo meio é insuficiente como enfoque descritivo ou interpretativo, arquitetura, imagens e palavras se buscam mutuamente, complementando-se. Afinal, a arquitetura é um modo específico de pensar, caracterizado pela concepção de objetos por meio do projeto, que por sua vez, é linguagem gráfica representacional e verbal a ser interpretada. Para Peter Einseman, o caráter crítico de algumas obras de arquitetura desloca leituras convencionais e ressalta a mediação transformadora do texto crítico. A retórica da palavra é importante para o arquiteto. A filosofia pode dar base para um discurso rigoroso, que inclui discutir sobre os limites da atuação social e profissional, da ética e da liberdade.
Desde Nietzsche, os fatos foram suplantados pelas interpretações. Isso desloca a questão da verdade como fim para o processo de sua busca, um percurso onde aquilo que dá a pensar, aquilo que provoca o pensamento é mais importante. A busca da verdade é provocada pelo encontro de algo (o acaso dos encontros e a pressão das coações: concluir um curso, entregar o trabalho). Este algo (objeto) quer ser decifrado, ocasionando a reversibilidade entre o objeto escolhido pelo pesquisador, o qual se define por meio dele, diria Jorge Luis Borges “A porta é o que escolhe”. As externalidades se colocam, o pensamento não vem de dentro. Como diz Rimbaud, “é errado dizer eu penso, deveria ser dito: pensa-se em mim”. Deste modo, a questão da verdade deixa de ser subjetiva (psicológica) e passa a ser intersubjetiva, propriamente, uma conjugação de percursos, multiplicando os encontros, mas, também os conflitos sobre as interpretações das obras humanas.
Com o abalo da noção de autoria, hoje é impossível saber quem dá as regras na arte, uma pergunta se coloca para o arquiteto: como legitimar o projeto perante a multiplicidade de vozes e gostos? ou ainda, como “produzir uma multiplicidade consciente de efeitos em seu trabalho”? (VATTIMO, 1995). Para o filósofo italiano, a mudança da noção de beleza, e acrescentamos, da noção de função dada pelas mudanças no modo de vida, na tecnologia e no conhecimento, tornam necessárias revisões do modo de ver e criar os objetos plásticos-estéticos, assim como dos juízos sobre eles.
Quando o objetivo do trabalho é o exercício da palavra escrita, o desenvolvimento e a sustentação de argumentos teóricos, na verdade se trata de encontrar o problema, criar as condições de como o problema é determinado, dispondo os seus termos e meios de encaminhamento. A solução (a conclusão) não importa tanto quanto desenvolver as implicações decorrentes da questão colocada.
O questionamento impele à subordinação do algo objeto a um determinado contexto (um conceito que só faz sentido em relação à arquitetura). O pensamento que este conceito descreve relaciona o problema ao seu contexto, seu locus. Neste sentido, o percurso do pensamento é muito mais uma descrição topológica ou topográfica que uma história. Uma descrição rigorosa requer ir ao fundo da questão. Alguns procedimentos podem ajudar e a avaliação do produto (do texto ou do projeto, em certos casos) se baseia neles (CARRAHER, 1984):
· Buscar ter consciência pragmática da linguagem, reconhecer e apreciar seus usos práticos.
· Ir ao cerne do problema enfocado, avaliando a coerência de posições teóricas (ou seu sentido) e levantando questões que podem ajudar a esclarecer a problemática discutida.
· Distinguir entre questões de fato, valor e conceito.
O fato frequentemente é definido como acontecimento, como produto da experiência, da observação, torna-se dado da questão ou problema suscitado. Os fatos são interpretados, não se sustentam por si mesmos, fazem sentido relacionados a um contexto ou em um texto. Valor, provisoriamente, pode ser a qualidade pela qual algo é estimado, tem significado artístico, histórico ou cultural.
Conceito, no dicionário é definido como representação de idéias por meio de suas características gerais, é uma ordenação e um corte no conhecimento (fil.). No campo da arquitetura e urbanismo, Carlos Brandão, afirma que o conceito não é apenas uma elaboração mental prévia, destinada a ser substituída pelo projeto no qual ela seria totalmente absorvida, mas é o medium histórico da linguagem através da qual nos constituímos e compreendemos o mundo em que vivemos. Nessa chave o conceito servirá não apenas para o trabalho do arquiteto, mas, sobretudo, para a compreensão do produto do seu trabalho pelo habitante. O conceito tem uma constituição também intersubjetiva.
De acordo com Carlos Brandão, leigos e arquitetos compartilham uma matriz de compreensão constituída, entre outras coisas, pelos conceitos e pela memória. A percepção ativa uma rede de conceitos, buscando o sentido daquilo que é percebido, mesmo que se apresente pela primeira vez aos olhos. O conceito e a percepção são chaves da compreensão do espaço e da comunicação entre o arquiteto e o fruidor.
No processo de pesquisa, os questionamentos “decifrados” constituem argumentos Argumentar é defender idéias que possuem uma conclusão. Como o fim não interessa muito, consideraremos no lugar de conclusão, as noções de desenvolvimento, encaminhamento, agenciamento – a sua apresentação recorre a termos (evidências, premissas, pontos de inflexão, relevos, registros, dados) para fundamentar o seu encaminhamento, o desenvolvimento da questão (ou defender a conclusão, no sentido estrito da academia). Os termos apenas fazem sentido, interconectados à maneira de um texto (discurso) ou hipertexto, conjunto de elos navegáveis ou nós interconectados, intrincados e tramados. Parte-se do princípio, de que o que não se sabe não se diz. Um texto truncado (que não flui) é resultado de um pensamento mal elaborado ou um emprego equivocado da linguagem. É importante obter repertório, dominar a linguagem. Encontrado o problema, o passo seguinte é a construção um plano de trabalho, um mapa.
“segundo o veredito nitzscheano, você não conhecerá nada por conceitos se você não os tiver de início criado, isto é, construído numa intuição que lhes é própria: um campo, um plano, um solo, que não se confunde com eles, mas abriga seus germes e os personagens que os cultivam” (DELEUZE & GUATTARI, 1992).
Com a tecnologia digital, verifica-se a ampliação da consciência, o pensamento deixa de ser uma experiência predominantemente interna, pois, interage com o computador e com internet, multiplicam-se as pessoas com se relaciona. As novas tecnologias da informação multiplicam também as possibilidades oferecidas pelo sistema e a integração criativa do usuário (LÉVY, 1993). Com as novas possibilidades da informática, o pensamento assume a condição de mapeamento, que ajuda a simplificar (sintetizar) a realidade, a diagramá-la e modelá-la. Contudo, não se pode confiar que um “modelo” sintetizador ou um diagrama sejam representações da verdade.
Recurso ao senso crítico implica que além de obter conhecimentos do campo de conhecimento próprio e suas vizinhanças (princípios de contigüidade e radiância), deve-se levantar dúvidas sobre aquilo que comumente se acredita (o senso comum), manter os signos em circularidade e movimento (conexões e associações). Deve-se explorar e refletir sobre as alternativas disponíveis, sejam argumentos, sejam soluções de forma, técnica, elementos arquitetônicos, materiais, sejam valores ou conceitos que os justifiquem.
O esclarecimento de questões envolve as particularidades de cada campo específico. Quando se trata de conhecimento descritivo, narrativo, especulativo, reflexivo predominam conceitos, quando se trata de conhecimento científico a prospecção prevalece, quando se trata de arte são percepções e afetos que entram em jogo (DELEUZE & GUATTARI, 1992).
Os termos que esclarecem os fatores do problema enfrentado operam por referência e concernem “a uma relação com o estado das coisas” (suas escolhas amparadas em argumentos ou afetos), não se restringem a simples opiniões ou preferências casuais. Conhecer é expandir os limites do repertório, do estilo e da interação entre estes.
O caminho que se percorre na aquisição de conhecimentos, deve ser demarcado (escrito), pois a avaliação se baseia nesta inscrição. É isso que possibilita ser compartilhado com outros, afinal, o conhecimento é social ou não é conhecimento. Por outro lado, deve-se, também contemplar outros pontos de vista, para que as posições tomadas não sejam parciais ou tendenciosas, o conhecimento é multidimensional. O mundo deve ser analisado, contemplado e usufruido de modo inteligente e flexível.
Embora Deleuze não vá concordar comigo, penso que se requer alguma modéstia em relação ao conhecimento contingente ao enfrentamento das situações problemáticas (escrever um texto ou fazer um projeto). Todo conhecimento é parcial e provisório, depende do nível de desenvolvimento da pesquisa (FOUCAULT, 1979). A dúvida não deve paralisar, qualquer lugar é onde se pode começar.
NOTA
Mapa: O mapa é aberto e desmontável, pode ser conectado em qualquer uma de suas partes ou dimensões, é reversível e suscetível de receber montagens de qualquer natureza, ser (re)construído por um indivíduo ou por uma formação social, como obra de arte ou ação política, como uma meditação. Ele tem entradas múltiplas, "(...)contrariamente ao decalque, que volta sempre ao mesmo". É preciso, no entanto, não opor os dois sistemas, isso restaura um dualismo binário: "É preciso sempre projetar o decalque sobre o mapa". O decalque pode estruturar um rizoma, codificá-lo, "neutralizando assim as multiplicidades segundos eixos de significância e de subjetivação", mas o que o decalque reproduz do rizoma são apenas os impasses, os bloqueios, seus pontos de estruturação. (DELEUZE e GUATARRI, 1995).
BIBLIOGRAFIA
BRANDÃO, Carlos Antônio Leite. Linguagem e Arquitetura: o problema do conceito. In. Interpretação de Arquitetura site da Escola de Arquitetura de UFMG
CARRAHER, David W. O Senso Crítico (...). São Paulo: Pioneira, 1984.
DELEUZE, Gilles & GUATARI, Felix. O que é filosofia. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992
DELEUZE, Gilles & GUATARRI, Felix. Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia. Vol 1. Rio de janeiro: Ed. 34, 1995.
EINSEMAN, Peter. Estratégias del Signo. Giuseppe Terragni y la idea de un texto crítico. Arquitetura Viva. Madrid. n. 48, mai-jun. 1996pp. 66-69.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979, 17ª Edição
KERCKHOVE, Derrick. O senso comum, antigo e novo. In. Imagem-Máquina. Rio de Janeiro: Ed. 34, pp. 56-64.
LÉVY, PIERRE. As Tecnologias da Inteligência - O Futuro do Pensamento na Era da Informática. São Paulo: Editora 34, 1993.
VATTIMO, Gianni. Entrevistado por Jorge Mário Jáuregui. Revista AU, São Paulo. n. 57, dez-jan. 1995, pp. 80-81.
1 comment:
oi Clara, Clara de que Mesmo?rsrrss, então, adorei o que você escreveu, sua pesquisa foi magnifica e até utilizei como fonte de informação pessoal. Mais enfim espero que você se exponha mais pois seu sobrenome é muito importante para se constituir uma carreira legal.
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